Peniche de Baixo/Peniche de Cima
Os meus avós e mais que eles o meu pai, sempre me contaram o que significava ser de Peniche de Baixo ou de Peniche de Cima. Com o tempo as diferenças foram-se esbatendo. Para que fique no entanto uma ideia, digamos que ser “penicheiro” era ser de Peniche de Cima. Ser de Peniche de Cima era viver dentro das muralhas e ser filho, neto e bisneto de gente Peniche.
Cá para Baixo também haviam “penicheiros”. Eram os que tendo dedicado a sua actividade à indústria da pesca, tinham comprado casa em zona do porto de pesca, ou no centro da comarca. Mas as suas raízes familiares encontravam-se “acima do Vilas”.
Também o comércio se veio a estabelecer mais próximo da Ribeira e do centro. Era ali que roupas e calçado, mercado e aprestos, materiais de construção e ferragens se podia encontrar. Onde Peniche se formou existia um pequeno comércio pouco significativo para os géneros de primeira necessidade e para as emergências.
Digamos que Peniche de Cima se tornou o parente pobre de um Peniche de Baixo desenvolvido e com forte pendor comercial e administrativo. De tal maneira isto se tornou verdade, que vir a Peniche de Baixo se tornou uma exigência de fato “quase” domingueiro, porque “parecia mal” não nos arranjarmos para ir tratar de assuntos “lá abaixo”.
Para os rapazes ser de um lado ou de outro poderia significar alguma dificuldade quando se dobrava o “Vilas” sem o apoio de uma claque com algum significado. Para as raparigas Peniche de Baixo significava um emprego no comércio fugindo à coluna dobrada das rendas de Bilros ou à condenação a serem para sempre donas de casa sem quaisquer ambições.
Não raro, raparigas de Peniche de Baixo casavam com rapazes de Peniche de Cima e vice-versa.
Como último esclarecimento para os que menos sabem desta dicotomia, digamos que Peniche de Cima não se confundia com a freguesia da Ajuda. Peniche de Cima era um núcleo que se estendia entre a parte de dentro da muralha e a zona periférica à igreja da Ajuda e ao Forte da Luz.
Hoje estas diferenças já não se manifestam. Existem outras menos subtis mas muito mais interessantes. Perdeu-se em tradição e em simpatia o que se ganhou noutras formas muito mais evidentes e evidentemente muito mais interessantes.
Em Peniche de Cima é onde ainda se cheira a Peniche. É onde se sente aquele cheiro forte a algas a iodo e a mar que torna Peniche uma terra única. Eu diria que fica a gostar de Peniche não quem bebeu “água da Fonte Boa” mas, quem sentiu já o cheiro que respiramos em Peniche de Cima e que se estende da praia do Quebrado até ao Bairro da Caixa.
Em Peniche de Cima as ruas são limpas sem papéis espalhados por tudo quanto é sítio. As donas de casa e os maridos em Peniche de cima colocam o seu lixo nos contentores, não o deixando às suas portas à mercê de cães e de gaivotas esfaimadas. Em Peniche de Cima não se vêem normalmente nem polícias, nem varredores. E no entanto cheira a limpo e a asseado e não se encontram os traços comuns de vandalismo que se podem observar cá por baixo. As casas velhas de Peniche de Cima não têm o ar de degradação que se vê cá por baixo. Excepto as do Bairro do Calvário, mas isso é por pertencerem à Câmara Municipal que tem os vícios comuns de quem pertence a Peniche de Baixo.
1 comentário:
Deste já deixe-me dizer-lhe que sou um leitor asiduo do seu blog,nem sempre estou de acordo com as suas ideias, mas é mesmo por isso que pertencemos a um estado que se diz democrático, podendo assim discordar dos outros com respeito expondo nós também as nossas ideias.
Gostei particularmente desta sua publicação, sempre que leio algo ou alguma história por si contada sobre Peniche , sinto que fico mais rico. Gosto muito do sitio onde moro à 32 anos e não o trocava por nada, esse cheiro de Peniche de cima por si referido é algo que me fascina, logo pela manhã sempre que passo junto aos portões de Peniche de cima e sinto o cheiro vindo do mar, dá-me logo outro ânimo para começar o dia.
Não sei de onde "era" sempre vivi na fronteira entre Peniche de cima e Peniche de baixo, sempre vivi no Alto do Vilas, estanto agora "deslocado" ou "destacado" para a Cruz das Almas.
Parabens pelo seu blog e continue a presentear-nos com as suas histórias e estórias, quem sabem um dia não dará um bom livro de pensamentos e lembranças !!
Um abraço,
Manuel Salvador
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