segunda-feira, junho 25, 2007

CORRESPONDÊNCIA
Abro hoje aqui neste “Conversar em Peniche” espaço para alguma correspondência que vou recebendo (ou a que vou tendo acesso) e que de alguma forma julgo que, pela abrangência dos depoimentos que contém é importante que chegue ao conhecimento de todos os que me lerem.
É um espaço muito restrito. Que não tem que ver com “comentários”. Por isso será perfeitamente discricionário. Eu e só eu determinarei o que considero que aqui deverá ser transmitido. Que vos seja tão útil a vós como me tem sido a mim.
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CARTA ABERTA AO PINTOR
ANTÓNIO ABREU VAZ SERRA
(Falecido a 05/06/07)

Peniche, 6 de Junho de 2007
Meu caro e inesquecível amigo
Tinha visto o teu nome no programa do festival “Sabores do Mar” onde nunca faltavas e, desta vez, contava, na verdade, voltar a ver as tuas subtis aguarelas estilo clássico, os teus acrílicos, os teus óleos maravilhosos, uns clássicos outros modernos, com alguns dos quais tens ganho significativos prémios, enfim, com os teus belos azulejos dedicados a Peniche
Os “Sabores do Mar” abriram a 1de Junho mas, com grande surpresa minha, não apareceste nesse dia. Vindo de Lisboa, (a terra onde nasceste e residias, sendo embora Peniche a tua terra de eleição porque aqui decorreu a tua infância e a tua adolescência), só chegaste aqui no dia 5 Junho, ou seja, quando o festival ainda estava praticamente no princípio. Vinhas, pois, muito a tempo de montares o teu stand. Mas quão diferente e inacreditável era o rumo que trazias: a casa funerária anexa à Igreja de Nossa Senhora da Conceição! É me difícil aceitar o que de tão fulminante te havia de surpreender, Praticamente ainda no auge da vida (eu sei que tinhas apenas 62 anos de idade) quando tanto ainda havia a esperar da tua fértil imaginação, da tua enorme habilidade, do irrequietismo e delicadeza dos teus pincéis. Duas semanas bastaram para que tudo isto viesse a acontecer. A vida tem destas surpresas e só Deus lá sabe porquê.
Acredita que tem sido grande o encanto e o orgulho com que contemplo os quadros que me ofereceste há muitos anos, como gesto de gratidão por me considerares a causa do despertar da tua paixão pela pintura, Mantenho-os expostos nas paredes interiores da minha casa, e agora contemplo-os com um sentimento acrescido: uma indelével saudade. .
Mas, se era enorme a capacidade que revelavas de expandires o teu talento através de tantos sectores no campo das artes plásticas, não posso deixar de exaltar as tuas qualidades humanas das quais ouso destacar duas: a modéstia e a simplicidade que são afinal as qualidades que distinguem os espíritos verdadeiramente superiores e que já revelavas em criança. Lembro, a propósito que, quando numa questão de solidariedade com os teus amigos da rua ( crianças pobres e humildes) saltavas com elas a tirar peixe dos cabazes que, na Ribeira Velha, os pescadores traziam dos barcos para terra. Era também nessa altura que, pelas mesmas razões, pedias aos teus pais (o inesquecível Dr. Serra e a simpatiquíssima D. Juvite Serra) que te deixasse andar descalço como esses amigos.
Ah, mas quantas histórias se contam da tua infância bem reveladoras da popularidade e simpatia de que então gozavas!.
Só me resta dizer-te que espero que tenhas sentido quão forte foi o abraço que, no dia 5 de Junho te fui dar na casa funerária onde te encontrei.
Um abraço que só podia ter sido com os braços da alma

António Alves Seara.

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